Para jornalistas brasileiros, tecnologia aumenta produtividade e ansiedade
Houve o tempo em que se discutia se a TV extinguiria o rádio. Agora chegou o tempo em que debatemos se a IA vai extinguir empregos de jornalistas — ou, pior, os próprios jornalistas.
Entre a curiosidade intelectual e o instinto de sobrevivência, uma investigação do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Tecnologia, ligado à Faculdade de Comunicação Social da Uerj e coordenado pelo professor e jornalista Fábio Vasconcellos, buscou respostas sobre os usos da tecnologia nas Redações brasileiras.
(Por transparência, devo dizer buscamos: além de editora-executiva do Aos Fatos, sou professora da Uerj e uma das pesquisadoras do grupo.)
A pesquisa é financiada pelo projeto Prodocência da Uerj. O grupo de trabalho conta com a participação dos estudantes Fernanda Ferreira Ventura, Igor Porto Castro, Pedro Paixão, Alicia Soares e Esther Ferreira.
De 5 de fevereiro a 30 de abril de 2023, o levantamento consultou 230 jornalistas brasileiros, por meio de um questionário respondido via formulário do Google.
A primeira pergunta indagou quais ferramentas tecnológicas esses profissionais usam no dia a dia. A partir das respostas, agrupamos as ferramentas em três grupos:
populares, de amplo conhecimento, como aplicativos de mensagem e redes sociais etc;
específicas, direcionadas à gestão da atividade jornalística, como monitoramento do tráfego de sites;
especializadas, que demandam maior conhecimento, como linguagem de programação, machine learning e análise de dados.
Os resultados mostram que as Redações fazem uso quase universal das ferramentas mais simples; os aplicativos de mensagem, por exemplo, alcançam 92% dos jornalistas.
Por outro lado, estão pouco disseminados instrumentais como machine learning, que está na rotina de apenas 7% dos entrevistados, e linguagem de programação, utilizada por apenas 13%.
Outra preocupação foi compreender os efeitos da tecnologia sobre a rotina dos jornalistas. As respostas confirmam o que a observação já indicava, uma percepção positiva, ainda que conflituosa, em relação às ferramentas tecnológicas.
Vamos aos números: o efeito mais citado da tecnologia foi “aumentou a produtividade” (76%). A seguir aparecem “aumentou minha ansiedade” (49%), “melhorou minha mobilidade” (48%) e “aumentou minhas horas trabalhadas” (43%).
Gráfico que mostra prevalência de respostas sobre como o uso das tecnologias altera a rotina de trabalho de jornalistas
Uma média ponderada das respostas permite afirmar que os jornalistas tendem a considerar que as tecnologias acarretam, de modo geral, mais impactos positivos que negativos. E que permitem aumentar a produção, a despeito de algum impacto negativo.
As respostas sobre uso de ferramentas tecnológicas, que apresentamos nesta semana na Rio Innovation Week, são apenas o começo. Uma nova etapa da pesquisa aprofundará as percepções dos jornalistas sobre a tecnologia. De todo modo, não surpreende que, na listagem de efeitos, aumento de produtividade venha seguido de aumento de ansiedade. Repetidos estudos têm mostrado, em várias profissões, o impacto da conectividade ininterrupta, sem possibilidade de “desligar”. Jornalistas vivenciam a mesma situação.
Outro ponto de atenção, e que abordaremos nos desdobramentos da pesquisa, será a utilização cada vez maior de IA. Há algum tempo as Redações brasileiras recorrem, em níveis variados, a ferramentas de automação. Mas boa parte disso passa longe do conhecimento do público.
Em momentos de cobertura intensiva, como as eleições municipais, é esperado que repórteres e editores busquem alternativas para agilizar o trabalho. Ferramentas de IA são cada vez mais comuns nesse processo.
Num ecossistema em permanente desalinho como é o do jornalismo, a transparência sobre tais processos torna-se exigência basilar. É indispensável dizer em que fase a inteligência artificial foi empregada e sob que condições, com atenção a vieses e informações sobre bases de dados utilizadas.
Nada disso, porém, é uma receita completa. Trata-se de um caminho em construção, um primeiro passo para assegurar resultados confiáveis e evitar as tais alucinações — as da IA, as nossas e as do público.
Por Fernanda da Escóssia