Cientistas da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em parceria com o Google e outros cientistas afiliados, desenharam um mapa cerebral que traça as formas variadas de 50.000 células e 130 milhões de conexões – tudo feito a partir de um minúsculo pedaço do cérebro de uma mulher. O mapa, denominado H01 “amostra humana 1”, representa um marco na busca científica por descrições cada vez mais detalhadas de um cérebro humano.
Menor do que uma semente de gergelim, o pedaço de cérebro tinha cerca de um milionésimo do volume de um cérebro inteiro. Ele foi retirado do córtex – camada externa responsável pelo pensamento complexo – de uma mulher de 45 anos submetida a uma cirurgia de epilepsia. Após a remoção, a amostra foi rapidamente preservada e tingida com metais pesados, revelando as estruturas celulares. Depois, foi cortada em mais de 5.000 pedaços e fotografada com microscópios eletrônicos.
Em seguida, programas de computador juntaram as imagens segmentadas resultantes dos cortes e programas de Inteligência Artificial ajudaram os cientistas a analisá-las. Uma breve descrição da visualização resultante foi publicada como pré-impressão em 30 de maio no site bioRxiv.org. Se você ficou curioso, o conjunto de dados completo está disponível gratuitamente, online.
Reações da Comunidade Científica
O mapa emocionou o neurocientista Clay Reid, do Instituto Allen de Ciência Cerebral de Seattle. Em entrevista ao site Science News, ele disse: “É o início de algo muito emocionante. É absolutamente lindo”. Atualmente, ele está trabalhando em mapas de cérebros de camundongos e humanos. “É um momento mágico na história”, afirmou.
Mas, por enquanto, os pesquisadores estão apenas começando a ver o que está no mapa. “Na verdade, acabamos de mergulhar neste conjunto de dados”, disse ao Science News o coautor do estudo Jeff Lichtman, neurobiologista do desenvolvimento da Universidade de Harvard. Lichtman comparou o mapa do cérebro ao Google Earth: “Há joias lá para serem encontradas, mas ninguém pode dizer que olhou para a coisa toda”.
Achados interessantes
Segundo o cientista, já surgiram pontos fantasticamente interessantes no mapeamento. “Quando você tem grandes conjuntos de dados, de repente essas coisas estranhas, raras, começam a se destacar”, afirmou. Uma dessas curiosidades diz respeito às sinapses – pontos de conexão em que sinais se movem entre as células nervosas.
Normalmente, axônios emissores de mensagens tocam um dendrito receptor apenas uma vez. Mas no novo conjunto de dados, apenas cerca de 90% das conexões eram desses contatos únicos. Alguns pares de células tinham pouco mais de um contato, mas os pesquisadores localizaram algumas células que se conectavam várias vezes, incluindo um par que estava ligado por nada menos que 19 sinapses.
Várias conexões foram encontradas em cérebros de camundongos, mas não tão abundantemente como nesta amostra humana. Cérebros de moscas também podem ter muitas conexões entre as células, mas são mais dispersos do que as conexões humanas recém-descritas – explicou o neurocientista Pat Rivlin, do Instituto Médico Howard Hughes em Ashburn, na Virgínia, Estados Unidos, ao Science News. Rivlin trabalha no Projeto FlyEM, que cria mapas do sistema nervoso de mosca-das-frutas.
As imagens também revelaram axônios de neurônios que enviam mensagens formando espirais elaboradas, incomuns e misteriosas – parecendo cobras enroladas. “Nunca tínhamos visto nada parecido”, disse Lichtman. Assim que os pesquisadores aprenderam a procurar essas formas, mais e mais apareceram.
Especulações
"Com o mapa se torna possível analisar se esse grande número de conexões é comum no cérebro humano", ressaltou Reid. Mas afinal, o que as sinapses superfortes estariam fazendo? "Essas células podem ser capazes de obrigar sua célula-alvo a entrar em ação de uma forma poderosa", especulou Lichtman. Elas também podem estar conduzindo informações rotineiras de forma eficiente, como o resultado de uma conta básica de matemática ou que é preciso parar no sinal vermelho – ainda não se sabe.
O neurocientista molecular Seth Grant, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, apontou ao Science News que, embora o mapa seja uma ferramenta valiosa, ele exibe apenas a anatomia do cérebro. Outras pesquisas ajudarão a esclarecer a função e a composição das moléculas que impulsionam seu comportamento. Por enquanto, o mapa é “uma ferramenta muito exploratória”, disse ele.
O que os mapas irão revelar ainda é uma incógnita. Lichtman foi cauteloso quando perguntado se esses mapas levarão a uma compreensão profunda do cérebro: “Acho que o melhor que podemos fazer é descrever”, afirmou ele, que espera em breve chegar a um nível de conhecimento em que não fique mais surpreso com o que vê nos mapas.