A implantação do sistema de monitoramento por câmeras com reconhecimento facial na capital paulista, o chamado Smart Sampa, foi debatida em Audiência Pública da Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal de São Paulo realizada, nesta quinta-feira (19/10), na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), no Largo São Francisco.
O debate atende ao requerimento da vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL), que presidiu a audiência. Ela afirmou que toda política pública de segurança precisa ser muito debatida, principalmente este tema que ela considerou ser complexo. “A gente já tem visto pelo mundo outras experiências e até mesmo no Brasil que essas câmeras são consideradas tecnologias racistas, porque elas têm métricas diferentes para a população negra e para a população branca. Geralmente, quando acontecem erros nesse tipo de tecnologia, a maioria das vezes acontecem com pessoas negras, principalmente com mulheres negras e com mulheres negras trans. A gente tem um recorte de população que, com certeza, vai ter mais problemas do que outra parte da população”, frisou a parlamentar.
O contrato para início do sistema foi assinado em agosto deste ano. Na época, a Prefeitura divulgou que o Smart Sampa é o “maior sistema de monitoramento por câmeras e outras tecnologias integradas”, com 20 mil câmeras inteligentes de segurança, com tecnologia de biometria facial e integração de diversos serviços públicos, permitindo o monitoramento de ocorrências em tempo real. O custo mensal anunciado pelo Executivo é de R$ 9,8 milhões.
“A Prefeitura vai ter um gasto anual de mais de R$ 100 milhões com uma tecnologia que não é eficiente no combate ao crime como eles estão anunciando. Então, para que você faça uma prisão com essa tecnologia de reconhecimento facial você gasta um recurso muito maior do que você faria com outras alternativas que a Polícia Militar já usa. A gente está discutindo o gasto público, que é absurdo, e um gasto público que além de ser errado, é racista”, pontuou a vereadora.
Foram convidados para a discussão pesquisadores e representantes de movimentos contrários à implantação do Smart Sampa. A diretora executiva da Rede Liberdade, que atua em casos de violação de direitos e liberdade individuais, Amarílis Costa, ressaltou que o reconhecimento facial, o racismo algorítmico, a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir são assuntos centrais para a vida de todos os cidadãos. “As questões relacionadas ao avanço tecnológico, obviamente, vão existir cada vez mais. O Estado, a sociedade civil, o Legislativo precisa convergir no sentido diálogo, no sentido da transparência das informações, mas, acima de tudo, na garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos”, falou.
O pesquisador da Fundação Mozilla, Tarcízio Silva, falou que o uso de tecnologias digitais emergentes que têm inteligência artificial ou sistemas algorítmicos é muito polêmico porque pode ser “muito impreciso”. “Qualquer tecnologia digital do tipo merece participação pública para se debater até que ponto é necessário ou adequado para o problema que está sendo identificado. Porém, quando a gente fala em reconhecimento facial, é um problema maior que é a vigilância de um espaço público que pode minar outros tipos de direitos. Então, seja a tecnologia acertando ou errando, é necessário que a sociedade participe e consiga realmente avaliar se esse é um investimento que vale a pena para a nossa sociedade e para uma cidade como São Paulo que poderia ser exemplo para o Brasil e para o mundo”, argumentou.
O co-fundador do Alqualtune Lab, que faz análise das inter-relações entre direito, tecnologia e raça, Arthur Almeida, acredita que o Smart Sampa não vai contribuir com as políticas de segurança pública da capital paulista. “As tecnologias de reconhecimento facial escancaram ainda mais a seletividade penal, elas trazem mais encarceramentos, mais prisões ilegais, elas acirram ainda mais a questão racial porque essas tecnologias são feitas a partir de algoritmos racistas. Então, traz muito mais malefícios do que benefícios”, salientou.
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HELOISE HAMADA
DA REDAÇÃO